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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Ainda a Síria

Desculpem a insistência, era minha intenção não voltar a falar da Síria até a guerra começar. Mas não consigo calar-me. Hoje leio isto no DN:
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, afirmou hoje que é improvável que o ataque com armas químicas tenha sido perpetrado pelos rebeldes e que uma possível ação militar contra a Síria não contará com tropas no terreno.
Porra, não tem a certeza, baseia-se em palpites aparentemente tão válidos como os meus, que considero improvável ter sido o regime sírio a recorrer às armas químicas, e propõe-se mesmo assim começar uma guerra? Uma guerra que pode depressa degenerar em conflito mundial, que a Rússia não ficará passivamente a ver  os americanos estoirarem alvos estratégicos do seu aliado?
Espertos foram os ingleses, que arranjaram forma airosa de se porem de fora desta pouca vergonha que americanos e franceses preparam para, dizem eles com despudor, defender os seus interesses.

Ainda a Menção Especial no Prémio Glória Marreiros

Como uma criança que com qualquer ninharia fica feliz, assim reajo eu de cada vez que um dos meus escritos merece distinção. Não se trata de alegria semelhante à que nos proporciona rifa premiada em quermesse da aldeia, que dá o direito de levar para casa uma qualquer penicada. Não, é algo de substancialmente diferente, que resulta da satisfação  de saber que alguém me leu, apreciou e achou por bem destacar esse produto do meu trabalho. 
Por isso, ontem corri a partilhar a notícia que acabara de receber: o júri do Prémio (literário) Glória Marreiros tinha distinguido uma narrativa minha com Menção Especial. 
Não o esperava: o concurso era de novelas e, não tendo nenhuma aprontada, enviei sem grande convicção um conto que hibernava na gaveta, apenas porque os concursos e prémios quase desapareceram por força da crise, e eu estava a ver que este ano não desjejuava...
As numerosas mensagens no Facebook a parabenizar-me sensibilizaram-me deveras. Para além das da família e dos amigos de longa data, quero sublinhar a emoção que me deram as de antigos alunos e alunas, que assim mostraram não terem esquecido o professor de outros tempos -- que, não raro, os contrariou, os aborreceu, pautando-se pelo seu sentido do dever e não pela moda pedagógica que postula como motor da aprendizagem o prazer e a diversão. E a propósito desta Menção Especial volto a fazer minhas, como então fazia, as palavras do poeta em Mar Português : "Quem quiser passar além do Bojador tem que passar além da dor."
Um abraço para todos.

A lição da fábula

O regime sírio não é cordeiro, antes lobo feroz. Mas a intervenção armada que se avizinha não se move pelo desejo nobre de proteger e livrar o povo sírio da tirania, antes por interesses vis, como os próprios dirigentes americanos despudoramente agora confessam, ao verem desmentidas as suas acusações de que havia sido o governo sírio a usar armas químicas.
A Casa Branca disse na última noite que os EUA vão "continuar a consultar o governo do Reino Unido – um dos nossos amigos e aliados mais próximos" e a decisão de avançar ou não "será norteada pelos interesses americanos". 
(no Público, negrito meu).
A mudança de argumentos, que aqui previ, assemelha-se em tudo à argumentação do lobo que na fábula de La Fontaine procura convencer o cordeirito de que tem motivos para o punir -- como Hollande. E quando as razões se esgotam, fazem como o lobo, que sem mais pretextos para comer o cordeiro, prontamente o matou e devorou, pois, ensina a fábula, a razão do mais forte é sempre a melhor ("La raison du plus fort est toujours la meilleure").
Como agora. Resta saber se americanos ainda são os mais fortes. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Menção especial

Soube há instantes que o júri do Prémio (literário) Glória Marreiros distinguiu a minha narrativa Na Boca do Inferno com Menção Especial. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Quem usou armas químicas na Síria?

Isto de culpar antes de investigar tem que se lhe diga. Segundo o DN,

"A Síria apresentou ao Conselho de Segurança da ONU provas de que o ataque com armas químicas, a 21 de agosto nos arredores de Damasco, foi realizado por forças rebeldes, foi hoje anunciado.

"Entregámos às Nações Unidas todas as provas e documentos que mostram que foi a oposição, não o Estado, que utilizou armas químicas", disse aos jornalistas o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros sírio, Faisal Miqdad.
As provas foram entregues na terça-feira, afirmou o responsável sírio, insistindo que as autoridades jamais utilizariam armas químicas contra civis.
Uma missão de peritos da ONU está atualmente na Síria, onde ficará, em princípio, até sábado, para investigar vários casos de alegados ataques com armas químicas, pelos quais se acusam mutuamente regime e oposição. (...)"
Qualquer que seja a verdade dificilmente mudará o curso dos acontecimentos. Se este pretexto para um ataque à Síria for inviabilizado, arranja-se outro.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Freixo de Espada à Cinta

Sob o calor daquele 28 de Junho, a povoação parecia parada no tempo, quase sem actividade humana — apenas os velhotes descansavam à sombra da igreja.



Lá vamos nós outra vez

Jugoslávia. Iraque. Afeganistão. Líbia. Todos os outros países de que me esqueci. Sempre com bons pretextos, que depressa se verificaram falsos. Não tenho nenhuma dúvida de que os povos de todos esses países, e os vizinhos, estão pior do que antes das intervenções 'bem intencionadas'. De boas intenções está o inferno cheio.
O ímpeto justiceiro dos americanos e dos media que por eles ladram não cessa. Junta-se um Hollande que quer "punir" — foi o verbo que utilizou — o regime sírio. É difícil uma potência colonial como a França ultrapassar os traumas do passado. Sobretudo quando, como hoje se soube, o desemprego em França continua imparável.
Revolta-me o massacre de inocentes, o uso de armas químicas ou de outras contra a população indefesa. Mas não alinho em maniqueísmos, de um lado os bons americanos e seus amigos, do outro os seus inimigos, os maus. Estou farto de ser enganado. O homem é a mesma merda qualquer que seja o seu partido na guerra, todas as guerras são horríveis e as piores são as guerras civis, disse-o um francês sábio, creio que Descartes.  E a qual das partes mais aproveita o uso do  gás,  sabido que é que os vários grupos muçulmanos não hesitam em massacrar os seus para conseguir intervenção estrangeira?
Alegrem-se os media, podem até mandar o Rodrigues dos Santos fazer reportagens em directo de Damasco, terão com que encher os telejornais que preenchem os jantares em família. Alegrem-se os fabricantes de armas, os militares, os políticos, que desviarão as atenções da sua incompetência para governar os respectivos países, da sua incapacidade para cumprir as promessas eleitorais. Alegrem-se as boas consciências, vendo em directo os maus a serem punidos.
Mas vejam se não se esquecem, e se mais tarde não lamentam as atrocidades dos bonzinhos que colocaram no poder.
ADENDA
Diz-me a Cláudia no Facebook:
Nem de propósito, terminei hoje de ler estas 20 reportagens sobre a Croácia e acho que ficam aqui bem: http://www.pierreroux.com/photographe/prefacecroatie.html.

Mogadouro

Já no regresso a casa, a visita resumiu-se ao castelo em ruínas (com um burro à sombra da torre)  e a umas águas em café do centro.



Miranda do Douro e o Mirandês

Conhecíamos Miranda do Douro de visita anterior, quando por lá procurei sem sucesso vestígios do Mirandês.
O Mirandês foi descoberto em finais do séc. XIX, contava o professor Lindley Cintra, por um jovem estudante de medicina, de seu nome Leite de Vasconcelos, que ouviu o companheiro de quarto cantar numa língua estranha. Intrigado, foi à terra do colega, reuniu materiais, e apresentou num congresso de Filologia Românica a descoberta de uma língua até então desconhecida.
A paixão pelo estudo das línguas levou Leite de Vasconcelos a deixar a medicina, vindo a ser nome marcante na Filologia Românica. Entre outras descobertas, a de que o Mirandês era afinal um dialecto leonês, vestígio fossilizado do falar do antigo reino de Leão -- hoje dizem que é uma língua, mas importa destrinçar motivações económicas e políticas de argumentos linguísticos.
Ora o Mirandês ficou-me atravessado desde os tempos de faculdade, onde aprendi que apenas em três regiões nacionais se não falava Português -- Miranda do Douro, Guadramil, Rio de Onor --, e porque no meu último teste da licenciatura, precisamente Linguística Românica, feito na sala Leite de Vasconcelos  em dia de tal calor que o professor Lindley Cintra nos pediu licença para desapertar a gravata, saiu um texto que eu identifiquei como sendo Leonês de uma região muito próxima de Portugal, uma vez que continha alguns porteguesismos.
À saída, em conversa com colegas, senti crescerem-me orelhas de burro por não ter visto que só podia ser Mirandês... Enfim, ainda tive treze no teste, então uma belíssima nota.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ainda a Lua

Tinham matado o porco, e o meu avô Cipriano zangava-se com os filhos, que o não desmanchavam tão depressa quanto queria. E gritava, brandindo o Borda d'Água:
-- Despachem-se, já só falta uma hora para  a Lua Nova!
-- Avô, o que é que a Lua faz à carne?
Com a paciência que temos para com os netos e nos falta para os filhos, esclareceu-me: -- Um homem matou o porco, não lhe pôs sal, a carne estragou-se e disse que tinha sido por causa da Lua.
E outra vez aos berros com os meus tios: -- Despachem-se, vem aí a Lua Nova!

domingo, 25 de agosto de 2013

Poemas de Xanana de Gusmão em Russo

Segundo o DN, que cita um jornal russo, Timor vendeu o seu voto para a organização da Exposição Mundial de 2020. O preço? A tradução e publicação em russo dos poemas de Xanana.
Poucas notícias me espantam, quase todas me enojam.

sábado, 24 de agosto de 2013

De Bragança a Miranda do Douro

Quarto e último dia da viagem pelo Norte. Descampados ermos, secos, que ribeira apertada em vale estreito não logra amenizar. Paisagem a meu gosto, solidão bastante, silêncio violado apenas por cigarras e raros passarinhos.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O homem da Lua

Não eu, mas todos os que têm vista apurada distinguem nitidamente na Lua um homem com molho de silvas às costas. Poucos saberão por que lá está, como lá foi parar, que fez para merecer tal castigo, o da eterna solidão, que nem mesmo os astronautas americanos lhe renderam visita quando, nos idos de 69 pousaram, dizem eles, no nosso satélite.
Pois o homem andava a cortar silvas ao domingo, o que, como todos sabem, é pecado mortal.
Domingo era então dia de bebedeira, de tareia na mulher, de zaragata com os vizinhos, como hoje o é de ida à praia, de almoço fora; pode-se trabalhar, por exemplo, penando atrás de caixa do Continente, ou em bomba de gasolina, ou a servir à mesa, ou a animar festas populares. Livrem-se, porém, de roçar silvas, de pegar em enxada ou tractor -- logo vos excomungarão os que no adro da igreja, no café ao lado, religiosamente cumprem o descanso semanal, prolongando o do resto da semana.
E, fiquem cientes, aguarda-vos castigo idêntico ao do homem das silvas que Deus colocou na Lua para exemplo de todos aqueles que ousarem desrespeitar domingo ou dia santo, seja ou não feriado, cometendo o pecado de trabalhar na terra ou lá ir passear de tractor, sendo porém permitidos os outros veículos todo-o-terreno... 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Aniversário

Da minha menina mais velha.



Os enganos de Deus

Mesmo tendo em conta que os desígnios divinos são insondáveis, muita confusão me faz saber que se pode ter enganado nas Suas escolhas, como depreendo das declarações do papa resignatário
(Talvez ninguém devesse falar para a imprensa a partir de certa idade, mesmo que o julgue fazer por inspiração divina...)
Este episódio recorda-me muitos outros, envolvendo personalidades como Margareth Tatcher ou o famoso mestre de karaté G. Yamaguchi, Tesouro Nacional do Japão, que, aos oitenta anos, contou a um jornal que certo dia, para combater o tédio, tinha ido à montanha lutar com um tigre. Resultado: a Japan Karaté Association (Goju-Ryu), a que presidia, demitiu-o e tornou obrigatória a reforma dos seus dirigentes aos setenta anos.

Assassino e incendiário

O fogo é pior do que um ladrão, dizia a minha avó. E explicava: o ladrão rouba, o fogo mata e destrói. Há quem mate, depois ateie incêndios -- dez, segundo a polícia -- e se veja recompensado com o rendimento mínimo. A mim, ofende-me que nós, vítimas, tenhamos  de pagar  a criminosos para que lhes não falte tempo livre para os seus desmandos. 
Alguém me dá boas razões para que os incendiários não sejam condenados a trabalhos forçados, limpando matas, combatendo fogos? E para os assassinos não terem de pagar pelo que fizeram? E para o rendimento mínimo ser atribuído a marginais?

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Bragança

Ao terceiro dia do nosso passeio pelo Norte pernoitámos em Bragança. Pelo caminho, as visitas já referidas a Mirandela e Valpaços, depois a Macedo de Cavaleiros e à sua praia fluvial. O calor persistia e, para piorar, a minha dor de cabeça atacou-me forte. 
Enfim, aproveitei o que pude: a cidade à noite, passeio à beira-rio -- e como aprecio as cidades que têm rio e dele cuidam! -- excelente jantar. Na manhã seguinte, calcorreámos a cidade, da parte velha à nova, que é a pé que melhor se conhece o país, subindo e descendo sob o calor, procurando a fresquidão das sombras,  a brisa das esquinas, sorvendo, ao passar pelos cafés e pastelarias mais frequentados, o aroma do grão acabado de moer, por entre o corrupio das gentes que vão e vêm da praça...
Bela cidade. Mas sou suspeito, eu, que sempre me encanto com as viagens na minha terra.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Valpaços

A viagem por terras da Maria da Fonte incluiu passagem por Valpaços, onde a 16 de Novembro de 1846 se travou uma das batalhas decisivas da guerra da Patuleia, que se seguiu à revolta do Minho.
Nessa batalha, o Barão do Casal derrotou as forcas patuleias da Junta do Porto, comandadas por Sá da Bandeira, o lendário Sá Maneta, graças à deserção dos regimentos de infantaria 3 e 15, que mudaram de campo.
Na retirada pelo rio Douro, as forças patuleias foram atacadas da margem pelos guerrilhas miguelistas de MacDonnell --  um dos quais o jovem Camilo Castelo Branco.
Tempos e personagens fascinantes, que tenciono incluir no romance que penosamente vou escrevendo. Se algum leitor me puder fornecer elementos sobre o Barão do Casal ou indicar bibliografia, fico muito grato e não deixarei de incluir o seu nome nos Agradecimentos caso a obra venha ser parida.
IMAGEM: a coalizão, aliança entre arqui-inimigos, hoje de difícil entendimento.

sábado, 17 de agosto de 2013

Mirandela

O rio, o parque ribeirinho, as alheiras. De tudo gostámos por igual, e por esta ordem.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Chaves

Chegámos ao entardecer, e logo nos precipitámos para a piscina do hotel, a refrescar de todo um dia de calor, estrada cansativa, alguns percalços. À noite, passeio nocturno pelas margens do Tâmega. Espaço muito bem arranjado, onde as famílias convivem na frescura do rio. Pedras colocadas em fileira à distância de um passo permitem atravessar o Tâmega a vau. O que fizemos, apesar da escuridão.

Esperava-nos, a contrastar com a amenidade das margens do rio, noite de calor infernal. Desculpa tuga do funcionário da recepção do hotel: "O ar condicionado avariou hoje e o técnico ainda não veio..."
De manhã, visita à parte histórica da cidade. Museu, museu militar em torre do castelo, do alto vista panorâmica sobre a cidade. Interessante, a parte velha.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Karaté toda a vida

Ao avizinhar os sessenta anos, mais de metade dos quais de prática do karaté, e com a paixão pela arte bem viva, impõe-se-me uma reflexão sobre a forma de treinar por forma a poder praticar enquanto a saúde mental e física o permitir.
Não é, porém, esta a perspectiva dominante nos 'dojos', mesmo quando os praticantes já não são jovens e sofrem com as mazelas da idade e da prática. Os mais velhos a imitar os mais novos e não o contrário.
O vídeo de baixo afigura-se-me um importante exemplo e contributo para a prática em idade avançada. Nele, Morio Higaonna, nome incontornável no karaté estilo Goju Ryu de Okinawa, com 70 anos, dá informações muito interessantes sobre onde e como treinar, a alimentação, mostra aplicações a dois, orienta a execução dessa kata extraordinária que é Sanchin, base dos estilos Goju Ryu e Uechi Ryu -- e de alguma forma presente no estilo Shotokan, na kata Hangetsu.
Para reflectir.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Imerso num mar de dúvidas

Desde a mais tenra infância que os porquês da vida e do Universo me intrigam e inquietam.
Cresci, mais em anos do que em tamanho, e deixei de irritar os outros com questões que a muito poucos interessam, por demais preocupados com assuntos verdadeiramente importantes, como o campeonato de futebol, a Albuquerque e o negócio dos swaps, o nascimento de um bebé na família real britânica, as viagens do novo papa.

Passei a procurar respostas nos livros, sem desprezar obras religiosas como A Bíblia; mas nela encontrei sobretudo poesia primorosa, como o Cântico dos Cânticos, e um repositório de histórias encantadoras na sua ingenuidade, como o Génesis, a par de outras de fraco proveito e mau exemplo, como Abraão e o filho, José e os irmãos, o velho pai que os filhos sodomizam... Nem o Novo Testamento escapa à vulgaridade, com S. João obcecado em nos convencer de que era o discípulo que Jesus mais amava, discussões de comadres entre os apóstolos sobre o respectivo lugar no poleiro celeste, comparações entre o baptismo com o Espírito Santo e o baptismo com água do Baptista...

Palavreado sem significado, como muito daquilo que hoje se escreve, que me traz invariavelmente à boca o velho Porquê? O que é que isso quer dizer? Qual o significado desse adjectivo, desse substantivo, desse verbo, dessa metáfora, dessa comparação?
Pois, todos o sabemos, palavras, por bonitas que sejam, depressa as leva o vento, sem que nos deixem ideias, as quais, raras e preciosas como as pérolas autênticas, devem ser colhidas com esforço nas profundezas do mar do pensamento. As quais, quando existem, dispensam o floreado de palavras, rejeitam a expressão gongórica, recusam os artifícios da retórica. Ideias que surgem sobretudo na ciência e raramente sobrevivem aos argumentos destruidores dos pares e à experimentação. E a ciência, tão compartimentada, tão especializada, com a sua metalinguagem, surge opaca ao leigo como eu. Só o talento de cientistas-escritores que a Gradiva tem trazido até nós me tem permitido acompanhar, vagamente, o espantoso mundo das descobertas.
Há uns anos, insatisfeito com a escassez de obras de divulgação científica e com a lentidão com que são traduzidas, com a sua desactualização, inevitável dada a rapidez do progresso científico, passei, graças à Amazon e ao Kindle, a ler penosamente no original as obras mais recentes. Tenho encontrado, não a resposta aos grandes porquês, que a ciência não é o domínio das certezas, mas novas questões, igualmente fascinantes, de que, por vezes, aqui tenho dado conta, como, por exemplo, reflexões sobre a natureza do Universo, quais e quantas as suas dimensões, como pôde surgir do nada, a matéria e a energia negras, o espaço e o tempo... Saber que não terei as respostas não me desanima. Sou capaz de viver sem certezas. Também eu prefiro a incerteza e a dúvida à certeza da ignorância.





sábado, 10 de agosto de 2013

Em dia de canícula

Levanto-me pela fresca, mais cedo do que o habitual. Quero regar os pessegueiros e as laranjeiras do Casal. Primeiro vou ao Vale da Junqueira buscar motor de rega, chupador, mangueiras. Imediatamente me apercebo de que os coelhos furaram por baixo da vedação de rede que defende o feijoal. Ao todo, oito buracos, que tapo o melhor que consigo. Daqui para a frente vai ser a velha guerra, eu a defender a sementeira, eles a procurarem forma de a destruir. Ou cavando túneis, como os presidiários de antigamente, ou saltando por cima. Ainda passo pelas Sesmarias, a avaliar os estragos nocturnos causados pelos javalis no milheiral. Uma dor de alma.
Chego ao Casal por volta das nove horas. Faço caldeiras, estendo as mangueiras, ferro o chupador, consigo pôr o motor a trabalhar. Quem não se entender com a mecânica, por pouco que seja, fará melhor em se dedicar a outra actividade. À balnear, por exemplo. O motor finalmente pega, mas a água não corre nas mangueiras. Páro-o, volto a atestar chupador e bomba de água. O mesmo. Repito vez após vez. Retiro o chupador do poço, verifico a válvula, repito. Não puxa água. Repito e repito. Até que ela jorra. Arrasto a mangueira de árvore em árvore, atenuando a sede de que sofrem. Obra de caridade, esta de dar de beber a quem tem sede. Ou à planta sequiosa, vivente como nós, sem voz embora para exigir os seus direitos.
Jorra a água, fresquinha, prontamente desaparece na caldeira seca, onde também tomba o suor que me escorre em bica da testa, turva os óculos, queima os olhos. Lá para as onze termino. No regresso, acelero o tractor para sentir a brisa fresca na face, afrouxo nas sombras. Coisas boas da vida, uma brisa em dia de calor, uma sombra fresca de onde não apetece sair — mas outros afazeres me esperam. Engatar a charrua e tentar lavrar, mesmo sabendo que a terra está seca, calcada, quase impenetrável. Com esforço meu e do tractor lá consigo mexer pequena leira para o meu sobrinho começar horta. Há que estimular os jovens, talvez tomem o gosto, nos sucedam nos amanhos, no combate ao mato e aos silvados, no prazer com que comemos e damos aquilo que produzimos: neste início de Agosto, pêssegos como os de antigamente, pêras piramidais como as de Camões, abrunhos, pepinos, feijão verde, courgettes — o Verão é estação de abundância.
Termino por volta das duas da tarde. Duche frio, que regalo, à moda de Carlos da Maia, que mesmo prolongado não é suficiente para me arrefecer. O termómetro marca 32 graus, ainda vai subir até aos 35. Almoço, sesta, regresso ao Entroncamento pela estrada que há 40 anos me leva e traz da aldeia. Esperam-me 38 graus, plantas desmaiadas com sede, criação a precisar de cuidados. 
Para o jantar, grelho na chapa hambúrgueres, acompanhamo-los com pão torrado, pepino, pêssegos e pêras. No banco de jardim das traseiras da casa faço companhia ao cão. Excepcionalmente ponho gelo no uísque. E um bom café, Nespresso oblige.
Estão ainda 32 graus. Lá mais para diante, talvez a temperatura desça e possa abrir as janelas. Mas só quando estiver mais fresco fora que dentro.
Chega até mim a música pimba que inevitavelmente traz o Verão. Sempre os peitos da cabritinha. Pelo tecto do terraço, osgas caçam. Curiosamente, nos Montes, como em geral no Oeste, não há osgas. Não me incomodam: os inimigos dos meus inimigos meus amigos são. 
Pressinto que vai ser outra noite mal dormida, novamente incomodado com o suor que me correrá pelo pescoço. Coisa de campónio, isto de suar. Gente fina transpira. E pouco, para não manchar a gravata.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Montalegre

No segundo dia da nossa viagem pelo Norte motivada pela vontade de visitar  alguns dos locais da revolta da Maria da Fonte, fomos de Vieira do Minho a Terras do Bouro, depois recuámos por Vieira, rumo a Montalegre, Boticas e Chaves, onde pernoitámos. Fazia muito calor (foi a 26 de Junho) e só refrescámos com banho na piscina do hotel.
Na foto, Montalegre, vista dos muros do castelo. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

São Bento da Porta Aberta

No segundo dia da nossa viagem por terras da Maria da Fonte (26/6), saímos de Vieira do Minho em direcção a Terras do Bouro. Inevitavelmente parámos em São Bento da Porta Aberta, sítio lindo entre a montanha e a barragem. Afora a beleza da paisagem, apenas um susto com os travões, que felizmente não passou disso.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Abnegação e heroísmo

Dos bombeiros, que por essas matas arriscam a vida. Que sofrem o calor, esforços desumanos, perigos ora calculados, ora inesperados, muita incompreensão  por parte daqueles por quem lutam, alguns dos quais, em desespero, chegam ao extremo de os agredir, como se os bombeiros fossem, para além de heróis anónimos, super-homens e super-mulheres capazes de tudo salvar. 
Salvar dos incendiários, protegidos por leis meigas, juízes complacentes. Salvar da nossa incúria, pois não protegemos as matas, não fazemos acessos, não lhes damos meios de socorro adequados para impedir que quando cercados pelas chamas se vejam ameaçados por morte horrível, na flor da idade, sem prémios de risco, sem associações de sargentos e de oficiais a defender mordomias, alcavalas, privilégios incompreensíveis nestes tempos de crise — com o argumento de que a pátria lhes exige a própria vida.
Em cada Verão, quando o país arde, são os humildes bombeiros que o defendem, abnegadamente, incansavelmente, sem horário de trabalho, nem gratificações, nem ajudas de custo, nem promoções. Poucos recebem condecorações por bravura, como se cada bombeiro, cada bombeira, não fosse um valente. Capaz de fazer pela nação, pela terra, pelo povo, aquilo que eu não faço, que os militares não fazem: arrastar penosamente mangueiras encosta acima para que não arda tudo, por vezes rodeados pelas chamas, queimados até, para que algumas árvores sobrevivam até ao próximo Verão.